A ilusão
do abrigo
Ana
Lúcia Leão - Ana Lúcia Leão é
jornalista, membro do Fórum Nacional de Proteção
e Defesa Animal e da Cia. do Bicho: http://www.ciadobicho.com.br/
Inúmeras vezes ouvimos de pessoas
que acabaram de recolher um animal da rua dizer: "Ah!
Se eu tivesse dinheiro para montar um abrigo!". Fica
bem claro, com este sonho, que elas nunca visitaram um, para
saber a realidade.
Um abrigo começa sempre com as melhores intenções.
Se quem o abre tem uma certa dose de "pé no chão",
imagina um número limite de animais a serem abrigados.
Mas o objetivo nunca é atingido. Seja porque se condói
dos animais abandonados que encontra; ou dos casos tristes
que donos contam para deixar a responsabilidade na mão
do outros; ou ainda, daqueles que abandonam na porta, ou jogam
animais lá dentro.
Em pouco tempo o limite anteriormente fixado é expandido.
E quem pensava ter 50 animais se vê com 100, 200 para
alimentar, vacinar, manter limpos, higienizar as instalações,
etc. Já ouvi histórias de fortunas perdidas
em sonhos de abrigo. Recentemente a de uma senhora que estava
sendo obrigada a sacrificar os animais mais idosos e doentes
por não poder mantê-los, mesmo em precaríssimas
condições. Depois de seu patrimônio ter
se acabado, passado pela fase de pedir ajuda aos amigos, depois
parentes, depois aos desconhecidos, por fim a veterinários
e à Proteção Animal para sacrificar os
animais aos quais ela sonhou dar uma vida melhor ou salvar
da morte nas ruas.
Abrigo não é solução, é
problema gerado pelo descaso social. Do lado oposto de quem
sonha montar um, existe a crença das pessoas em geral
de que basta pegar um animal na rua e metê-lo num abrigo
para resolver o problema. Quantas vezes ouvimos "leva
pra Sociedade Protetora dos Animais..." Se visitassem
algum abrigo dos muitos existentes por aí, veriam a
triste realidade: Dezenas, até centenas de animais
se digladiando por comida, muitos doentes, e até casos
de canibalismo gerados pela fome. Mas ninguém pensa
em como a "Sociedade Protetora" vai conseguir recursos.
O que a sociedade não vê, está muito claro
para nós que lidamos com o problema 24 horas por dia:
em vez de abrigo, dar lar transitório, uma casa de
apoio. O animal é tratado, vacinado, esterilizado e
doado. E isso, por vezes, demora meses.
Como doar tantos animais e os resultantes dos naturais cruzamentos,
que nascem aos montes todos os dias? Como achar donos suficientes
(e responsáveis) que os adote?
Informando e
educando as pessoas sobre posse responsável e fazê-las
compreender que esterilizar cães e gatos (fêmeas
e machos) é a única solução possível
para o abandono de animais em massa com que convivemos.
Mas o que é desesperante é ver ainda veterinários
aconselharem donos a deixar seus animais ter a primeira cria
para só depois esterilizá-los; donos darem a
desculpa de que "esterilizar faz o animal engordar"
(é só continuar dando a mesma quantidade de
alimento que isso não acontece); desculpa da "falta
de dinheiro " (quando a Prefeitura e os grupos da Proteção
oferecem cirurgias a baixo custo ou mesmo gratuitas ); e da
anti-social indústria dos criadores.
E estas mesmas pessoas ainda têm coragem de dizer que
gostam de animais, deixando nascer aqueles que serão
doados para qualquer um. Ou se alimentar de lixo. Ou morrer
atropelados. Talvez sarnentos, famintos, num abrigo irremediavelmente
sem recursos, sem ao menos o carinho de um dono.
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